domingo, 24 de outubro de 2010

FORA DOS LIMITES DA LEI.

Por Ruy Fabiano
O tom e os limites de uma campanha eleitoral são dados pela lei. Em regra, campanha eleitoral é passional e, em alguns momentos, até irracional. A eficácia dos limites depende do grau de eficiência e presteza da Justiça Eleitoral.

A conjunção entre lei desrespeitada e Justiça ineficaz, vigente no país, é fatal. Quando, à frente dos que desdenham desses limites, e até fazem chacota deles, está o presidente da República, não há como impedir que a campanha ingresse no terreno do imponderável. É onde estamos, conforme mostram os fatos desta semana.

A pré-campanha eleitoral, segundo a lei, começaria em maio deste ano; em julho, a campanha propriamente dita. Antes, ainda conforme a lei, era vedado aos partidos apresentar candidatos e muito menos pedir votos. Bem antes disso, ainda em 2008, Lula já ignorava esse limite, anunciando sua candidata, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. E passava a desfilar, país afora, com ela a tiracolo, apresentando-a como sua sucessora.

Ajustou uma agenda de inaugurações de obras, mesmo, em alguns casos, não havendo ainda o que inaugurar, colocando a máquina administrativa do governo a serviço de sua candidata. Palanques festivos eram armados, com a militância em torno, com bandeiras e faixas aclamando o nome de Dilma.

Há quanto a isso numerosos vídeos que circularam na internet durante todo esse período e foram fartamente registrados nos jornais, revistas e telejornais.

Lula dizia nessas ocasiões que, se quisessem que o país continuasse a produzir obras importantes, a progredir, deveria optar por Dilma. As interpelações judiciais começaram na sequência, mas demoraram a produzir efeitos. Somente este ano, as multas começaram. E foram recebidas com desdém pelo presidente.

De fato, irrisórias, a considerar os gastos de uma campanha, não assustavam, nem impediam que Lula continuasse a reincidir. Chegou a dizer, a uma plateia que repetia em coro o nome de Dilma, num evento eleitoral antecipado, que queria saber quem iria pagar sua multa. Os militantes levantavam a mão na plateia, em escárnio à legislação e à Justiça.

O resultado não demorou: a certa altura, todos, em alguma medida, passaram a desconsiderar a lei. Se ela não valia para a candidata oficial, e se a Justiça se mostrava impotente para deter o processo, o jeito era aderir. E essa adesão foi a primeira quebra do padrão moral da campanha. Outras viriam, sempre sob a liderança do presidente da República, que, empenhado em vencer, mandou às favas a liturgia do cargo – e a lei.

A proximidade do pleito fez com que o tom dos discursos esquentasse, violando também os limites da lei e do decoro. A referência continuou a ser o presidente da República, o que é inevitável, pela primazia do cargo que ocupa.
Num comício em Santa Catarina pediu que um partido adversário, o DEM, fosse “extirpado”. Em outros, citou nominalmente os adversários que queria banidos da cena política.

Em outros, apresentou o candidato do PSDB como “inimigo do povo”, e apelou para a perigosa divisão do país entre ricos e pobres, incitando a luta de classes. Essa retórica é multiplicada pela militâncias, nas ruas e na internet.
Diante disso, não surpreendem os acontecimentos de quarta-feira, no Rio de Janeiro, quando um grupo de militantes do PT tentou barrar fisicamente uma passeata de campanha do PSDB, de que participava o candidato José Serra.

Atingido por um rolo de fita crepe, Serra acabou no centro de uma polêmica insólita, reverberada pelo presidente da República: teria sido uma simples bolinha de papel, seguida de uma encenação. O presidente chamou-o de “mentiroso”, baseando-se em informação falsa, que, no mínimo, teria o dever de confirmar. A rigor, cabia-lhe o papel oposto, de condenar o episódio e pedir calma a todos. Fez o contrário -, confirmada a agressão, silenciou.

O centro da questão, no entanto, não era a bolinha ou a fita de crepe, mas o enfrentamento físico da militância petista, que não tem o direito de impedir que a campanha adversária realize manifestações. A violência saiu da retórica para o desforço físico.

No dia seguinte, em Curitiba, foi lançado um balão com água na direção da candidata do PT, sem atingi-la. O que importa, porém, é que o padrão de violência se estabeleceu e a eleição, a duas semanas de seu desfecho, entra num diapasão preocupante.

O que dela ficará, seja qual for o resultado, é a quebra de compostura do cargo de presidente da República, como nunca antes se viu neste país. Quem o suceder terá que recompô-la.

*Ruy Fabiano é jornalista e escreve para o blog do Noblat.

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